Doenças

Bloqueio Atrioventricular

Bloqueio atrioventricular: Doenças auto imunes e o coração fetal

As gestantes com doenças auto imunes como o Lupus eritematoso sistêmico (LES),  síndrome de Sjögren, Artrite reumatóide e Esclerose múltipla podem ter anticorpos chamados anti Ro/SSA e anti La/SSB (mesmo que sejam assintomáticas). Esses anticorpos maternos podem entrar na circulação fetal através da placenta, alcançando o coração do feto

O coração normal tem um sistema elétrico que chamamos de Sistema de condução (em verde na figura ao lado). 

O sistema de condução é responsável pelo impulso elétrico que faz com que o coração se contraia bombeando o sangue. O impulso elétrico se inicia no nó sinusal (* vermelho), sendo conduzido ao nó atrioventricular (* azul) e deste, para o feixe de His (* amarelos) e fibras de Purkinje (* pretos). O impulso elétrico “comanda” a contração da musculatura bombeando o sangue dos átrios para os ventrículos e destes para a circulação.

Esses anticorpos podem causar inflamação e fibrose do músculo cardíaco e sistema de condução do feto, interrompendo a condução do estímulo elétrico dos átrios para os ventrículos, o chamado bloqueio atrioventricular completo. Quando os átrios não são mais capazes de conduzir esses estímulos aos ventrículos, a frequência cardíaca do feto fica bem mais baixa (em geral o normal fica em torno de 120 a 160 batimentos por minuto) e se inferior a 55 batimentos por minuto, existe o risco de hidropisia fetal que é o acúmulo de líquidos no corpo do feto (em volta do coração, em volta dos pulmões, na barriga, inchaço da pele) colocando a vida do feto em risco.

O risco de bloqueio atrioventricular completo (ou de 3o grau) no feto de gestantes que tenham tais anticorpos varia de 2% a 5%, porém se a gestante já teve filho anterior com bloqueio ou com diagnóstico de Lupus neonatal, esse risco aumenta para 12% a 25%.

O bloqueio atrioventricular costuma se desenvolver após 17 semanas de gestação, sendo mais frequentemente detectado de 20 a 24 semanas, embora 20% dos casos possam ocorrer no 3o trimestre e mais raramente, ocorrer após o nascimento (no recém-nascido).

A American Heart Association recomenda a monitorização desses fetos através da ecocardiografia fetal desde 16-18 semanas até 28 semanas, a intervalos de uma a duas semanas. É importante salientar que os títulos dos anticorpos anti Ro, mais do que a simples presença deles, é que conferem maior risco ao feto, sendo assim: gestantes com títulos de anti Ro ≥ 50 U/mL e principalmente ≥ 100 U/mL são as de maior risco.

A Hidroxicloroquina é uma medicação que pode ser administrada à gestante na tentativa de prevenir o bloqueio atrioventricular fetal.

Algumas vezes, podemos observar à ecocardiografia fetal, o aumento do tempo de condução elétrica dos átrios até os ventrículos (bloqueio de 1o grau), ou o bloqueio de alguns mas não todos os estímulos (bloqueio de 2o grau) antes da ocorrência do bloqueio atrioventricular completo. Além disso, a função (força) dos ventrículos (que bombeiam o sangue para a circulação), a função das valvas (que funcionam como portas no coração: abrindo, deixando o sangue passar e depois se fechando para evitar que o sangue retorne) e a eventual presença de focos de inflamação, e líquido em volta do coração (derrame pericárdico) também devem ser monitorados.Embora o bloqueio completo seja geralmente irreversível, a frequência cardíaca fetal pode ser aumentada com o uso de medicações, como o salbutamol, pela mãe. Mantendo uma frequência maior que 55 batimentos por minuto, reduz-se o risco de hidropisia, tentando levar a gravidez o mais próximo possível do termo. Outras medicações como corticóide (de uso controverso) e imunoglobulina, também podem ser tentadas, mediante estudo de cada caso.

Após o nascimento, esses bebês são monitorizados com o objetivo de verificar se a frequência cardíaca é suficiente para um bom desenvolvimento, sem risco de insuficiência cardíaca, ou se será necessário o implante do marcapasso para aumentar a frequência cardíaca e com isso garantir as necessidades do corpo da criança.

O marcapasso é implantado através de uma pequena cirurgia. No recém-nascido o marcapasso é geralmente epimiocardico, ou seja, seus eletrodos (cabos) são introduzidos de fora do coração até a sua musculatura e a caixa do marcapasso (gerador) é colocada na barriga do bebê (figura marcapasso).

O marcapasso gera impulsos elétricos que controlam a velocidade e o ritmo do batimento do bebê.

Essas crianças devem ser seguidas por um médico especialista em marcapasso e por um cardiopediatra. Periodicamente é necessária a troca da bateria do gerador.